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  • Folha de São Paulo
    18/03/2012

    Projeto quer tornar sigilosa apuração de desastre aéreo
    Texto pode impedir o uso de investigação da Aeronáutica em ação criminal - Parentes de vítimas de acidentes entendem que, se aprovada pela Câmara, proposta deve engessar o trabalho da polícia
    RICARDO GALLO

    Um projeto de lei federal pretende tornar secretas as investigações de acidentes aéreos conduzidas pelo Cenipa, órgão da Aeronáutica incumbido da tarefa no Brasil. A intenção é impedir que detalhes da apuração sejam usados na Justiça pela polícia ou pelo Ministério Público em inquéritos ou processos criminais contra suspeitos de causar os acidentes.

    Elaborado pelo próprio Cenipa, o texto está na Câmara, à espera de votação. Um dos responsáveis pelo projeto, o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), diz que isso deve ocorrer já neste semestre.

    A "criminalização" das investigações da Aeronáutica é danosa e crescente, avalia o órgão. O objetivo, diz, é descobrir elementos que previnam novos acidentes -não é punir quem os causou.

    A diretriz de prevenir/não punir é referendada por convenção da Organização Internacional de Aviação Civil, da qual o Brasil é signatário.

    Para a Aeronáutica, encontrar culpados cabe à polícia; por isso, a investigação policial deve caminhar separada.

    Críticos da proposta entendem que, se aprovada, ela engessará o trabalho da polícia, que terá mais dificuldade para achar culpados; a impunidade, entendem, aumentará. Entre os opositores há parentes de vítimas de desastres.

    COMO É ATUALMENTE

    Hoje, as autoridades pedem via Justiça dados da apuração militar ou se fiam nos relatórios finais (públicos) para subsidiar ações penais.

    Estão sendo processados assim Joseph Lepore e Jan Paladino, que pilotavam o jato Legacy que se chocou contra um Boeing da Gol em 2006.

    Pelo projeto, quem colaborar com a investigação ficará sob sigilo. Ainda que venha a público, o depoimento não poderá ser usado no tribunal.

    A intenção é que essa pessoa ajude por estar a salvo de incriminação, mesmo se um erro seu tiver contribuído para a tragédia. Se não houver o sigilo, o temor é que o colaborador se iniba e não ajude.

    Há precedentes: no acidente da Gol, controladores se recusaram a ajudar a Aeronáutica por medo de punição.

    O projeto dá aval à Aeronáutica para não fornecer análise da caixa preta às autoridades. Isso significa que a polícia terá que fazer a sua análise, o que pode levar tempo, a considerar que policiais não são especialistas em acidentes; será possível pedir ajuda à Aeronáutica para tal.

    O texto também define que a Aeronáutica mandará na cena do acidente, o que lhe dá poder de barrar autoridades ou vetar retirada de destroços. O relatório final continuará a ser publicado.

     

     

    Folha de São Paulo
    18/03/2012

    FAB terá aval para omitir da polícia crime sem intenção
    Segundo procurador do Ministério Público, regra é inconstitucional

    O projeto de lei em andamento na Câmara dá aval à Aeronáutica para omitir da polícia crimes sem intenção -a maioria dos acidentes aéreos se dá dessa maneira. Só seriam informados os crimes dolosos (com intenção). Trata-se de algo inconstitucional, dizem o procurador do Ministério Público Mário Sarrubbo e o advogado Luiz Roberto de Arruda Sampaio.

    O primeiro atuou na investigação dos acidentes da TAM em Congonhas em 1996 e 2007; já Sampaio advoga para famílias de vítimas em processos de indenização.

    "Isso deixaria o Ministério Público e a polícia de mãos atadas", disse Sarrubo. Para ambos, a comunicação de crime é obrigatória por lei.

    Se estivesse em vigor em 2006, o projeto autorizaria aos investigadores da Aeronáutica não relatar às autoridades policiais que controladores de voo falharam no acidente da Gol, por exemplo.

    Em 2011, a Justiça condenou um dos controladores por atentado sem intenção contra a segurança de voo.

    "Esse tipo de comunicação às autoridades policiais impediria que os envolvidos no acidente colaborassem com as investigações do Cenipa, deixando de informar dados que seriam de extrema importância para a prevenção", disse o Cenipa, em nota.

    A consequência, diz o órgão da Aeronáutica, é que um piloto se calaria para não produzir provas contra si.

    Mário Sarrubbo diz que, "como está, o projeto deixa tudo hermeticamente fechado nas mãos de técnicos da Aeronáutica", o que ameaça inviabilizar a responsabilização criminal, prevista em lei. Mesma opinião tem um policial civil de SP que atua em acidentes e pediu anonimato.

    Sandra Assali, que perdeu o marido na queda do Fokker-100 da TAM em 1996 em Congonhas e preside uma associação de familiares de vítimas de acidentes aéreos, tem outra preocupação:

    "Imagina um acidente no interior do país, de um avião menor que cai. Um delegado que não tem conhecimento nenhum de aviação saberia investigar sozinho? Nunca."

    DEFESA

    "Mais importante do que criminalizar é evitar outros acidentes", diz Ronaldo Jenkins, investigador de acidentes primeiro pela Aeronáutica, da qual foi para a reserva como coronel, e atualmente pelo Sindicato das Empresas Aéreas, que dirige. Fabricantes de aviões, Embraer incluída, concordam.

    O projeto de lei é de 2007, resultado da CPI do Apagão Aéreo. O texto passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em 2010 e está à espera de votação.

     

     


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